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A banda de Setúbal, Sculpture, que é um dos raros exemplos peculiares de sucesso à nascença. Os Sculpture são essencialmente uma banda de Doom Metal com influências claramente Góticas, banda essa que tem como impulsionador o conhecido Carlos D'Água, ex-membro dos Evisceration. Durante a entrevista a banda explica todos os promenores sobre o seu passado, futuro, preocupações e finalmente sobre as suas merecidas ambições. Fomos falar com a banda, sobre o novo álbum que se avizinha.
A formação da banda como ocorreu, quando, porquê e como
era o panorama musical na altura?
O nascimento dos Sculpture remonta a 94 e 95, teve sempre um objectivo delineado. Nessa altura, Carlos D´Água, o nosso anterior
vocalista, trabalhava ainda a 100% com os Evisceration, que tinham
acabado de lançar o seu álbum de estreia "Hymn to the Monstrous".
Sendo uma banda já com alguma maturidade e experiência, e com uma
estrutura interna capaz de se gerir de forma auto-suficiente, o Carlos
sentiu que precisava de explorar caminhos completamente diferentes
daqueles que moviam os Evisceration. Há já algum tempo que ele andava
a descobrir novas sonoridades no Metal e não só, que de certa forma o
impeliram a pôr de pé um projecto de tendências Doom e Góticas. O
primeiro line-up foi resultado de uma série de contactos que o Carlos
mantinha com vários elementos de diversas bandas de Setúbal, que ele
considerou adequados a nível humano e técnico para iniciar tal
projecto. Na altura, deu-se um autêntico boom a nível de lançamentos underground em Portugal, dos quais os Evisceration foram um dos primeiros. No entanto, a nível daquilo que os Sculpture queriam iniciar, não havia,
pelo menos de uma forma mais ou menos afirmada, uma cena Doom
propriamente dita, e as bandas que existiam estavam também a dar os
primeiros passos, de modo que surgiu a oportunidade de começar algo
mais ou menos inédito. Hoje em dia, verificou-se um certo abrandar a
nível de lançamentos feitos por editoras, mas por outro lado, uma
explosão a nível de novas bandas, principalmente no campo do Black
Metal. A cena Doom, apesar dos lançamentos de Sculpture, Desire e
Heavenwood se é que pudemos chamar Doom, continua sem se constatar que
tenha passado a ser uma moda, pelo menos a nível de lançamentos por
editoras. É uma questão de épocas e fases, nem acho que seja uma
questão que mereça análise necessariamente pertinente.
Porquê o nome da banda? Têm consciência que existe uma outra banda com esse nome?
Bem, o nome da banda partiu do Carlos D'Água, e sendo uma questão um
pouco subjectiva, só ele te poderia responder com exactidão. De
qualquer modo, posso dar-te a minha interpretação e aquilo que
significa para mim.
Uma escultura, no seu significado mais purista e elementar, é algo que
foi criado para durar para a eternidade, a partir do espírito criador
do seu autor. Uma escultura procura a imortalidade de algo, de alguém,
de um momento congelado no tempo, e que será admirado, adorado e
interpretado por tantos quanto possível. É esse conceito de beleza
imortal que quisemos captar e transmitir com o nome de Sculpture. Não
é a imortalidade de uma escultura que queremos para nós, mas conseguir
contemplar algo com tais características. A escultura é apenas uma
metáfora física, porque essa contemplação arrasta-se a tudo aquilo que
nos rodeia, à Natureza, à Vida e à Morte...
Em relação à outra banda que falaste, estamos tranquilos. Lembro-te
que o aparecimento dessa banda foi muito posterior à nossa, e o nome
de Sculpture está registado, bem como todo o material por nós editado.
Houve um comunicado feito à Nuclear Blast que é a editora responsável,
mas não houve qualquer resposta. Lembro também que a N.B. recebeu
muito antes material promocional de Sculpture, com críticas bastante
positivas e não fez absolutamente nada para tentar resolver esta
questão pela melhor maneira. Existe um mercado para todos, espero que
eles sejam sensatos e tenham a ética suficiente para compreenderem tal
coisa.
Quais são as influências musicais e ideológicas da banda?
Se me perguntares quais são as influências que se podem à primeira
vista evidenciar em Sculpture, é natural que serão as bandas mais
recentes dentro da sonoridade que são evidenciadas, mas existe por
trás um universo musical bastante mais vasto, e que de uma forma ou de
outra foram e são determinantes para o que se ouve hoje em Sculpture.
Para nós são tão importantes nomes como Rodrigo Leão, Maria João
Pires, The Cranes, Pink Floyd, Black Sabbath ou Iron Maiden como o são
os mais ou menos "óbvios" Anathema, My Dying Bride ou Arcana. Por isso
é que se torna difícil enunciar uma lista, e por isso é que normalmente
não presto muita atenção aquilo que se diz acerca das bandas no que
diz respeito às suas influências. "Things are not quite as they
seem...".
Ideologicamente posso dizer-te que existe sobretudo uma grande paixão
pela Vida. Essa é a melhor forma de a viver. Sermos honestos com aquilo
que defendemos e lutamos, e não pensar que as nossas acções são
julgadas por quaisquer entidades divinas. Acredito que apenas nós como
indivíduos devemos ser responsáveis pelas nossas acções e responder
por elas.
Aproveito agora para saber como se auto-definem musicalmente?
Quando os Sculpture começaram, o nosso objectivo era desenvolver um
projecto que assentasse nas bases do que se chama o Doom, numa
vertente mais atmosférica, à semelhança daquilo que os Desire acabaram
por lançar (evidentemente com as suas diferenças). Com a saída do
nosso teclista, ainda na primeira fase do projecto, decidimos partir
para um tipo de sonoridade mais dependente de guitarras, e dos jogos
de harmonias que se podia tirar partido com elas, e com um andamento
rítmico não tão arrastado. Assim acabámos por assentar num som, que
alguns consideram por identificar com Anathema, mas que tem obviamente
grandes diferenças (mas isso é outra história). Hoje, posso dizer-te
sem dúvida que continuamos a explorar os ambientes melancólicos que
caracterizam o Doom, e que quaisquer semelhanças com estes ou aqueles
que possam ter sido apontadas no MCD estão hoje amplamente esfumadas.
Não estou a dizer que somos originais ou que vamos surpreender, porque
não gosto de levantar expectativas, estou só a dizer que, para esta
fase da nossa existência encontrámos aquilo que queríamos fazer, somos
honestos no trabalho que está a ser desenvolvido e estamos bastante
satisfeitos com isso.
A banda teve diversas alterações na sua formação, a que se deveu
esse factor e principalmente o que veio trazer de novo à banda, e claro o que trouxe de mal à banda?
A primeira grande alteração no line-up foi a saída do nosso primeiro
baterista, o Luís, que foi substituido pelo Filipe Oliveira. Esta
mudança foi radicalmente positiva no sentido em que tecnicamente foi
dado um grande salto em frente, a nível de secção rítmica, que
obviamente implica ramificações à própria estrutura musical dos temas.
A nível de método de trabalho foi certamente a pessoa certa na altura
certa. Naturalmente nessa altura houve um abrandamento, visto que
tinhamos uma pessoa nova na banda, que tinha de ambientar-se, e
estávamos a reestruturar os temas e a criar outros de raiz. Os temas
que tinhamos composto ainda com o teclista foram relegados para
segundo plano, e práticamente começámos do zero. Depois da gravação do
MCD "Like a dead flower", o Carlos D'Água teve alguns problemas
pessoais que o levaram a afastar-se temporáriamente da banda e
posteriormente à sua saída de Sculpture. Nesse período tivémos ainda
um tempo de inactividade devido a problemas de salas de ensaio e
afins.
No início de 1998, coincidindo com a saída do MCD para o mercado e a
saída do Carlos da banda, retomámos o trabalho, já com uma série de
novos temas e letras, mas ainda sem vocalista. Há cerca de 2 meses,
ingressou nas fileiras um novo vocalista, já em adiantada fase de
adaptação nos velhos e novos temas. É claro que todas estas paragens
têm as suas consequências negativas...
A banda ao gravar o seu primeiro MCD "Like a Dead Flower", assinou
imediatamente com a editora Art Music, foi tudo muito rápido, querem
explicar como tudo se processou? Ou seja tíveram o que todas as bandas querem, contrato à nascença?
Bem, os contactos que o Carlos manteve ao longo do tempo com os
Evisceration foram sem dúvida relevantes para o nascimento de
Sculpture. Ao começar o projecto ele tinha já uma certeza de que iria ter
um contrato com a Art Music (na altura Dark Records), de modo que
todos tinhamos uma motivação e um objectivo muito mais concretos do
que muitas bandas que têm de andar vários anos a tentar provar o seu
valor. Antes da gravação do MCD, estivemos uma primeira vez em estúdio
para gravar a primeira versão do "Like a dead flower", mas a Dark
Records cessou a sua actividade, de modo que as gravações ficaram
incompletas. Quando nasceu a Art Music, mantinha-se o interesse em
assinar connosco, de modo que esse tempo foi passado a reescrever e
reestruturar o material que já tinhamos, e finalmente irmos para
estúdio de novo.
Falemos um pouco do vosso MCD "Like a Dead Flower, teve distribuição mundial? Receberam excelentes criticas por todos, o que desejavam com esse MCD?
O MCD é composto por 5 faixas, sendo a primeira uma introdução à base
de um coro de vozes, denominada "Arid Life", muita gente tem
perguntado o significado da letra, mas temos sempre deixado isso ao
critério de cada um. O segundo e terceiro temas são "At the Gates of
Shadows World" e "Autumn Serenades", o quarto é o tema acústico
instrumental "The Remains of the Day", com um pequeno apontamento
vocal feminino, e o último é "Our Crying Earth".
Sim, o MCD foi distribuído mundialmente, ou pelo menos promovido,
pelos canais habituais da editora.
Sim , de facto estamos muito satisfeitos com a reacção das pessoas que
tiveram contacto com o nosso trabalho. Cremos que aquele objectivo
primordial de um músico que é atingir o seu público foi atingido.
Conseguimos aquela empatia que nos dá a força para querer continuar.
Falando sobre o novo álbum, sempre chegaram a ir para estúdio em
Novembro? Continuam com a intenção de que o vosso primeiro longa duração fosse um cd essencialmente ambiental?
Infelizmente não, apesar de termos feito planos para entrar em
estúdio em Novembro tivemos certas condicionantes exteriores que nos
impediram de o fazer, apesar de o album estar 99% pronto. Este atraso
compensa-nos no sentido de que temos mais tempo para amadurecer os temas e chegar ao estúdio mais bem preparados. Deveremos entrar
definitivamente para gravar em Janeiro de 1999.
Em termos de temática, com a saída do Carlos como vocalista e
letrista, deu-se uma certa alteração a nível de temática (excluindo
dois temas que foram compostos ainda com ele na banda). Como actual
letrista, posso dizer que saímos daquilo que o Carlos propunha, não
por não gostar, mas por evidentes questões de espírito e experiências
de vida. Por enquanto não vou ser mais concreto...
Posso dizer-te que o nosso objectivo está a ser atingido, estamos a
fazer aquilo que queremos, longe desta ou daquela influência imediata,
mas isso não é um objectivo que se escreva num papel e se marque um
prazo para atingir, as coisas vão acontecendo. Creio que o futuro
trabalho vai responder melhor à pergunta do que mil palavras minhas.
Pelos vistos a banda não tem tocado ao vivo os seus trabalhos, a
que se deve esse facto?
Como te disse atrás, as alterações no line-up e condicionantes
incontornáveis têm atrasado um pouco aquilo que poderíamos ter ou não
feito no passado. A questão da falta de concertos é um resultado
prático dessas situações. Mas posso garantir-te que as coisas serão
bastante diferentes com o próximo trabalho.
A banda tem frequentemente criticado a Art-Music, passo a citar "A
acção deles a nível de distribução é fraca...", o que tem a dizer
sobre isso?
Essa crítica é um pouco mais complexa do que parece. Eles não são
directamente responsáveis pela distribuição, e, a distribuidora
encarregue dessa tarefa falhou enormemente, por vários motivos, desde
falta de profissionalismo, ética e negligência. Sabemos pelas críticas
recebidas que não é por falta de valor do trabalho. Essas falhas na
distribuição existiram noutras situações em que a Art estava
envolvida, mas pelas quais não é directamente culpada. Todavia, essas
são questões que já foram discutidas e resolvidas entre nós e a Art,
de modo que não queria aprofundar mais sobre este problema.
Quando é que o vosso álbum vai estar disponível, podem adiantar alguma informação sobre o mesmo?
Esperamos que a partir de finais de Fevereiro, princípios de Março o
álbum esteja disponível, vamos fazer todos os esforços nesse sentido.
O álbum já tem nome, mas por enquanto é segredo...
O que a banda pensa sobre o panorama musical português?
É realmente bastante positivo o grande número de bandas que povoam o
nosso underground. É uma actividade sempre em renovação, e que
ciclicamente proporciona o aparecimento de algumas surpresas. É bom
ver que as bandas investem mais no primeiro passo para sair da garagem
em direcção ao estúdio e afirmarem-se. É também bom saber que
finalmente o Metal nacional começa a marcar uma forte posição fora do
País.
Para terminar gostaria de perguntar se a banda tem conhecimento do
panorama musical açoreano?
É com grande vergonha que confesso a minha ignorância em relação ao
underground nos Açores. A última banda do Açores que ouvi falar foram
dos Morbid Death, que ainda não os ouvi. Não é por falta de interesse, apenas falta de conhecimento.